Em Torno da Vigência do Socialismo Libertário

Acreditamos ser fundamental, desde já, a afirmação categórica e sem dogmatismos, ampla e sem malabarismos oportunistas, de uma clara ideologia, de uma ideologia socialista e libertária. Que incorpore com audácia os ensinamentos da contribuição de cada feito popular; que se manifeste em programas, métodos e plataforma, em função das condições do local e do tempo em que devemos agir; aqui e agora.

Reafirmamos tudo aquilo que é válido e vigente do pensamento socialista e libertário, e da ação do anarquismo revolucionário. A ação direta popular como método para o combate anticapitalista e a construção socialista. O protagonismo dos homens e dos povos como fator da história (…), a concepção do socialismo e da liberdade como duas fases inseparáveis de um único processo de libertação humana.

(…) A experiência histórica dos últimos tempos dá razão aos questionamentos anarquistas que, desde o século passado, alertam (…) que a liberdade não é um mero subproduto da abundância material, nem um prescindível preconceito burguês, que o problema do poder é um problema real e não uma preocupação de utopistas, que a vasta experiência revolucionária acumulada não pode ser jogada fora. Essa experiência deve ser assimilada com um sentido criador.

Um movimento político não pode ser uma seita dedicada à guarda de livros santos onde estão contidas todas as verdades possíveis, ditas de uma só vez e para sempre. A experiência prática, a história, não se compadece  quase nunca com os textos sagrados.

(…) Não se trata agora, portanto, de trocar um rótulo por outro. Nem de tirar uma ideologia, como um mágico que tira um coelho da cartola vazia. As ideologias não surgem de genialidades. Elas se dão em um processo, amadurecem na história e no tempo, são repensadas, são adequadas às novas realidades (…).

Sim, desenvolvimento criador do muito que está vigente na ampla bagagem do socialismo, de tudo aquilo que é útil no sentido socialista e libertário, sem o sectarismo rotineiro que nos cega.

Sim, estudo e compreensão da realidade atual, mundial, latino-americana, nacional, sobretudo. Para, no meio da luta, fecundar os esquemas doutrinários. Para adequá-los, para que sirvam na ação (…).

O estudo desta realidade propõe a vigência do federalismo como tendência progressiva da organização econômica e política socialista. Para garantir uma participação que seja o mais ampla possível, desde o início, e cada vez mais ampla do povo na organização e na gestão da vida econômica.

Para garantir a mesma participação na direção política local, regional e nacional. Para que a velha promessa igualitária da democracia deixe de ser uma paródia, um mero slogan manchado pela demagogia mistificadora daqueles que, em nome da democracia, exercem a exploração e a tirania.

Reafirmamos nesse repensar o sentido humanista, a reivindicação e o exercício pleno da liberdade que significa o autêntico socialismo.

A experiência histórica acumulou materiais que permitem uma elaboração mais real e atual dos problemas da Revolução Socialista, elaboração imprescindível para superar os erros e lacunas de certos esquemas doutrinários que expõem a atividade revolucionária à esterilidade asséptica ou ao fracasso.

 

Definições de um Companheiro

O poder da burguesia sintetiza-se e funde-se no Estado. Não há possibilidade de transformar a sociedade sem destruir esse Estado burguês, e como lutamos por uma sociedade sem classes sociais, queremos que se elimine todo aparato burocrático do Estado, toda separação entre governantes e governados. Os privilegiados de todos os tempos e de todos os tipos, horrorizados diante da possibilidade de perder seus privilégios, sempre afirmaram que isto é impossível. Da mesma forma que antes se afirmava que o mundo era plano ou quadrado.

Nós acreditamos que também no que se refere à administração política da sociedade, deve-se acabar com a propriedade privada e terminar com esta ordem em que uns mandam e outros obedecem. Conselhos e federações de comitês operários, de vizinhos de bairro, comunas ou conselhos rurais de camponeses são distintas formas através das quais os trabalhadores vêm se organizando para defender os processos revolucionários contra a contrarevolução interna ou a agressão externa, e para administrar, ordenar e conduzir o conjunto da vida social. A partir destas bases, entendemos que devem estruturar-se os organismos sociais. Efetivo poder dos trabalhadores, maior gestão direta, menor representação indireta, nenhum tipo de diferenciação salarial, nenhum tipo de vantagem ou privilégio. Isso é o que entendemos por poder popular.

Nada disso é algo novo. É por estes ideais que em várias partes do mundo os trabalhadores fizeram revoluções, celebraram vitórias e sofreram derrotas. E há mais de um século, homens provenientes da classe operária e outros que, sem ter esta origem, colocaram-se realmente a seu serviço, organizaram conspirações, redigiram manifestos, juntaram fundos para a causa operária, desenvolveram a solidariedade. Foi-se sintetizando a experiência e os trabalhadores foram encontrando explicações para suas desgraças.

Sem conhecer esta história, sem ter lido estes livros, ainda sem conhecer estas explicações, em todo o mundo, todos os dias, milhões e milhões de seres humanos que sofrem a prepotência, querem a igualdade; aqueles que têm fome desejam comer; os que passam frio e não têm teto querem ter uma casa e um abrigo; aqueles que sofrem a humilhação buscam fraternidade; aqueles que se reconhecem ignorantes aspiram a uma escola, pelo menos para seus filhos.

De forma muitas vezes vaga, dando muitas vezes denominações distintas, a maioria das pessoas que conhece sofrimentos, ditaduras, infelicidades, despotismo, pobreza, aspira ao bem estar, à solidariedade e ao entendimento entre os humanos.

A origem primeira e a razão de nossa luta não estão em qualquer razão de alta política de Estado, ou de governo, de partido ou de organização, de grupo ou de movimento. Essa origem está na dor e no desejo desta grande humanidade, da qual nosso povo é uma parte.

Porque sabemos que o homem é um ser social, queremos que desenvolva sua capacidade e a coloque a serviço da sociedade; porque queremos que todas as decisões que digam respeito à sociedade sejam assumidas e resolvidas de forma social; porque queremos que a riqueza não seja individual ou de alguns poucos, mas social, de todos, e por isso nos chamamos socialistas.

Porque confiamos mais no acordo que na imposição, mais no conhecimento que na coerção, mais na liberdade que na autoridade. Por isto somos libertários.

Mas já aprendemos que, às vezes, as denominações são enganosas. Por isso não nos dedicamos a pregar etiquetas na luta dos oprimidos. Pode haver gente que, denominando-se de maneira parecida, não saiba bem o que quer, e há também quem, com outro nome, ou às vezes até sem saber dar um nome, busca o mesmo.

A todos os que lutam por estes ideais, sem mesquinharias, à sua maneira e em sua medida, chamamos companheiros.

Gerardo Gatti. Artigo retirado da publicação En La Calle (OSL Argentina).
Tradução: Martin Russo e Daniel Augusto A. Alves

 

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